sábado, 31 de outubro de 2015

À sombra do vulcão (de Alma Welt)



Imaginária vulcânica (com dupla Alma e seu cão) - o/s/t de Guilherme de Faria

À sombra do vulcão (de Alma Welt)

À sombra do vulcão eu me encontrava
E o meu cão me seguia fielmente
E não porque fosse forte ou brava
Mas por estar ali, então, somente.

A vida nos põe onde ela quer
E cabe a nós fazer o nosso enredo
Ou tão somente expressar o que vier
Se possível disfarçando o nosso medo.

Então me vi seguindo logo atrás...
Era eu vigiando-me à distância
Para saber quem sou, se sou capaz.

Sempre eu e meu duplo nesta vida,
Já que nos impele a mesma ânsia
De ser uma pela outra merecida...

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

As irmãs (de Alma Welt)



As irmãs- desenho de Guilheme de Faria, 2012
 
As irmãs (de Alma Welt)

Tenho lembranças saudosas das irmãs.
A boa e afável, e a difícil,
E que eram parte das manhãs,
Uma só carinhos, a outra um míssil...


Lucia com quem sempre contarei,
Enquanto Solange, por seu turno,
Para amá-la perdoar precisarei
Um ou outro episódio mais soturno.

Mas vejo que o destino sempre sabe
O que deve colocar na nossa vida,
Que tudo está certo enquanto cabe.

E então não apagarei um traço
Do desenho nesta tela estendida
Que sou eu no meu tempo e meu espaço...

sábado, 3 de novembro de 2012

"Muitas vezes me ponho comovida comigo mesma. Confesso isso porque não se trata de auto-piedade, da qual teria vergonha, mas sim pela beleza que vejo em mim mesma, dentro de mim... e pela qual sou tão grata a Deus e à Natureza..." (entrevista com Alma Welt)

sábado, 15 de outubro de 2011

Marguerita La Loca (de Alma Welt)


Mad Mag - Lito de Guilherme de Faria

Marguerita La Loca (de Alma Welt)

Estando eu louca e internada,
Vestindo camisa de onze varas
Numa Clínica daquelas meio caras
De que não quero nova temporada,

Conheci a Marguerita, grande dama,
Vestida de babado e laçarote
Sentada quando fora de sua cama
Sempre acompanhada dum mascote,

Com seu chapéu imenso de outra era
Imóvel em sua cadeira de balanço
Para não despertar sua própria fera...

Mas o bichinho a olhá-la do poleiro
Tinha um certo olhar e um vago ranço
Do qual ainda hoje sinto o cheiro...

sexta-feira, 4 de março de 2011

A Carruagem (de Alma Welt)


A Carruagem (de Alma Welt)
1.001

Um piano toca no salão!
Ah! e não fui eu que coloquei
Um CD ou um velho long play,
Talvez seja o Vati, e então...

Ele voltou! Sim, ele me quer!
Vou ao seu encontro e sou mulher!
Sim, ele vai ver agora sou
Pelo menos a guria que sonhou.

Olha, Vati, há muito não me vias,
Mas de verso em verso muito errei
Pelo mundo, a viajante que querias...

E agora, com toda esta bagagem,
Leva-me contigo que eu irei
Quietinha, assim, na carruagem!

19/01/2007

Nota

Este soneto, o último da vida e da obra da Alma, publicado por ela no Recanto das Letras, tocou muitas pessoas que vinham acompanhando a série pampiana, publicados um ou mais por dia, em tempo real. Os leitores talvez sentiram que se tratava de uma despedida, mas não conscientizaram, pois as leituras registradas desse soneto só dispararam quando coloquei na página de minha irmã (por encontrá-la com a senha salva no seu computador) o anúncio de sua morte, com detalhes, o que indignou a muitos, e peço desculpas. A partir do momento da publicação do anúncio fúnebre, as leituras deste soneto foram rapidamente para mais de 300 registradas nos cinco dias seguintes,enquanto o total das leituras dos textos da Alma subiram mais 2.000 atingindo a marca de 14.000 e tantas, o que mostra a curiosidade válida, ou mórbida, não julgo, que as últimas palavras de um(a) grande poeta causam nos seus pares ou mesmo no público em geral. (Lucia Welt)
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Despedida (de Alma Welt)


Retrato leonardesco de Alma Welt
ESTE É O PENÚLTIMO DOS SONETOS DA FAMOSA SÉRIE AUTOBIOGRÁFICA DOS SONETOS PAMPIANOS DA ALMA, DA POETISA ALMA WELT 1972-2007 (O último é o famoso A CARRUAGEM, de n° 1.001

Despedida (de Alma Welt)
1.000

Está na hora, vou me despedindo...
Foi uma longa jornada toda em verso.
Cantei a vida, o bom e o lindo
E por algum soneto controverso

Não pedirei desculpas a vocês
Pois meu coração foi sempre puro
E não quis chocar nem o burguês
Nem bater cabeça contra o muro

Das opiniões e dos costumes
Pois quem sou pra amaciar o duro couro
Que não queira passar pelos curtumes?

A alma abri e ela mesma eu sou,
Preferi distribuir-me toda em ouro
Que as pérolas meu orgulho não deixou...

18/01/2007

Auto-Retrato (de Alma Welt)

Eis toda uma vida em mil sonetos...
Mais hum pra ser exata em minhas contas.
Posso me orgulhar dos meus quartetos
E algumas chaves, se o ouro me descontas

E não cheguem a ser fechos dourados,
Também algumas pobres rimas falsas
Sem contar os lamentáveis pés quebrados
Com que tenho dançado as minhas valsas.

No final, o conjunto é até bem posto
Conquanto discutível no detalhe
E mesmo anacrônico no gosto.

Mas quê importa? Cantei-me para mim,
É risível, eu sei, nem bem me calhe
Sincero auto-retrato, tanto assim...

17/01/2007

Encontro com a Moira (de Alma Welt)



Encontro com a Moira (de Alma Welt)

Encontrei a Moira em meu pomar
E ela confirmou a minha data.
Não deu tempo pra se resignar
Àquela que o tempo nunca mata...

Não perdi uma só das belas horas
Que me foram dadas nesta vida
Pois amei uma a uma estas senhoras
Que servem o Tempo sem medida

Que no entanto medida nos impõe,
O que me parece muito injusto
Da parte de quem tanto dispõe.

Mas não vou no final ironizar
Que até a ironia tem um custo,
É uma forma de nos desperdiçar...

17/01/2007

Folhas Mortas (de Alma Welt)


Folhas Mortas (de Alma Welt)

As folhas mortas pelo solo do jardim,
Vejo-as transformarem se em adubo.
Não farei disso comparações em mim,
Que a paciência dos outros não perturbo.

Nada mais corriqueiro e aborrecido
Que metáforas, e mais, edificantes!
Se o soneto é o meu caminho preferido
Não farei dele trilha de elefantes

Repisando com patas adiposas...
Cá estou a fazer também imagens,
Que as tinha descartado, como às rosas.

Bah!Do meu jardim de folhas mortas
Vim parar num deserto de miragens,
Perdi o rumo evitando as linhas tortas...

(sem data)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Pequeno Teatro do Mundo (de Alma Welt)




O Pequeno Teatro do Mundo (de Alma Welt)
(lembrando Der Mond, de Carl Orff 1895-1982)

Fora da Poesia não há vida
Que seja apreciável e condigna.
É claro que há aquela sórdida,
Sem contar com a versão malígna...

Mas me refiro à que cabe no Sonho
E tem até seu teatrinho ao luar.
Esta, a verdadeira, que suponho,
Não distingue o chão do pleno ar.

Eu não queria viver se não houvesse
Uma saída lateral neste teatro
E se entrar por ela não pudesse.

Pois no Pequeno Teatro deste Mundo
Prefiro estar no palco até de quatro,
Ou então na coxia, mais ao fundo...

(sem data)

Nota

"O PequenoTeatro do Mundo"
, este o título com que no Brasil foi apresentada a opereta Der Mond (A Lua), do compositor alemão Carl Orff (autor da célebre cantata Carmina Burana) nos anos 90 em São Paulo.( Lucia Welt)

"Embora a associação de Carl Orff com o nazismo nunca tenha sido comprovada, Carmina Burana tornou-se muito popular na Alemanha nazista depois de sua apresentação na cidade de Frankfurt, em 1937. Orff era amigo de Kurt Huber, um dos fundadores do movimento de resistência Die Weiße Rose (em alemão, "A rosa branca"), condenado à morte pelo Volksgerichtshof e executado pelos nazistas em 1943. Depois da Segunda Guerra Mundial, Orff alegou ter sido membro do grupo, tendo-se envolvido na resistência, mas não há evidências disso". (Wikipedia)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Poentes Dourados (de Alma Welt )


Psyche Asleep, 1799, Anne-Louis Girodet de Roucy-Trioson (French Neoclassical Painter, 1767-1824)


Poentes Dourados (de Alma Welt)

Os poentes dourados do meu pampa
Me fizeram aqui permanecer
E ir preparando a minha campa
Para a esta grande troupe pertencer.

Fiz meu balcão ou coxia na varanda,
Tiete ou camareira, não importa,
Mas olhando o que o Diretor comanda
Todo dia em frente à minha porta

Dizendo: "Acomoda-te, é hora!
Dirijo luzes, não espera que eu dance
Para ti que pouco reza e muito chora."

"Sei que sabes dar valor à grande Arte.
Escreveste o teu próprio romance
Aprecia agora o show que venho dar-te."

(sem data)

A Festa (de Alma Welt)


A Festa (de Alma Welt)

Não levantei o punho contra o céu
Por saber meu prazo já tão curto
Ao tirar dos olhos denso véu
Sem a frágil mente entrar em surto.

Mas se muito chorei já não o faço
E os dias que me restam desafio
Com as boas rimas e o compasso
Conhecidos canais do desvario

Que ora ponho a serviço de mim mesma
Como meio de dobrar o que me resta,
Dupla vida para a pródiga abantesma

Que há de para sempre aqui ficar
Entre os que jamais deixam a festa
Do casarão e da vinha em pleno ar...

(sem data)

A Visita de Lady Bones (de Alma Welt)




A Visita de Lady Bones (de Alma Welt)

Pressinto que está chegando ao fim
Conquanto ainda tão cheia de vida.
Matilde diz que isso está em mim,
Que vivo pensando em sua partida,

Pois a nossa visitante, Lady Bones,
Gringa velha que hospedamos há um mês
Não é dada a flautas nem trobones,
Mas afável e gentil como uma rês.

Quanto a mim, considero bem sinistra
A insistência em ir comigo ao poço
E como sua dieta administra,

Sem almoço, nem café nem chimarrão,
Não admira que esteja pele e osso
E que ao recolher-se acene a mão...

03/01/2007

Macunaíma de saias (de Alma Welt)

Ninguém me diga que nem tudo revelei
E que fiz do meu soneto promoção
De mim, do pouco ou muito que pensei
Ou do meu jeito de tomar o chimarrão,

Quero dizer... do meu modo de vida,
Aliás considerado extravagante
Com esta tendência assumida
Ao nudismo e à poesia divagante.

Já contei até minha internação
Que terminou com fuga pela estrada
E quase estupro por chofer de caminhão.

Bah!... sou afinal anti-heroína,
Minha poesia não serviu pra quase nada,
De saias fui talvez... Macunaíma!

(sem data)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Soneto (de Alma Welt)

Do soneto, inesgotável como a música
Que infinitas melodias nos permite,
Menos me instiga a face lúdica
Que a de uma dor que não se evite

Pois se reprimo o verso que me venha,
Enlouqueço logo com a insistência
Com que ele exige que o mantenha
Num soneto de amor, de preferência.

Mas o melhor verso é o que aparece
Quando nem mesmo amando estou,
Coisa que difícil me parece,

Pois sonhadora do presente e do real,
Vim ao mundo, versejei, daqui me vou
Como se nunca tivesse visto o mal...

27/11/2006

O Que Deixamos (de Alma Welt)



O Que Deixamos (de Alma Welt)

De alguma forma passemos o que fomos,
E o que sabemos e onde estamos,
A cadeia não rompamos e os pomos
Não deixemos apodrecer nos ramos

Ou tombados no solo de mil larvas,
Pois não viemos aqui sem condições,
Sem cobrança de atitudes parvas
Ou um questionamento das ações

Que foram ou que são o nosso rastro
Seguido pelos que depois virão
E no vinhedo erguerão o nosso mastro...

Pois com condescendência ou com desgosto,
Ao razoável vinho ou feio mosto,
A cabeça de algum modo abanarão.

(sem data)

Questionando o Tigre (de Alma Welt)


Página original do "The Tyger", de William Blake


Questionando o Tigre (de Alma Welt)

O verso, disse Rilke, é experiência.
E levei isso tanto ao pé da letra
Que fiz do soneto minha vivência,
Nele o bebê, a parida e o obstetra.

Então sou o que escrevo, a minha obra.
Construí-me, em rimas me moldei,
Não existo fora, não me cobra,
Que a ti, que mais me exiges, já me dei.

Achas pouco milhares de sonetos
(que os preferi ao verso livre)
Que descrevem mundos nos quartetos

E nos tercetos os pondera?
Se com Blake não questionei o Tigre,
Não sei mais o que sou... e quem me dera!

(sem data)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Inconfidências do meu jardim ( de Alma Welt)



Inconfidências do meu jardim ( de Alma Welt)


Cada flor é um poema, sim, latente,
Com seus disfarces e segredos.
Muito cedo tornei-me confidente
Do meu velho jardim de enganos ledos.

Ele viu as decantadas maravilhas,
E as rosas, mais velhas, indiscretas
Contam casos amorosos farroupilhas
Das donzelas e das paixões secretas

Que nutriam por heróis esfarrapados
Que morreram com os nomes seus nos lábios,
Ou de jovens marinheiros importados

Que nos seus lanchões, anfíbias naus,
As tinham como doces astrolábios
Navegando em esperanças rumo ao caos...


(sem data)

Notícias do Front (de Alma Welt)


"...devaneando no jardim"- pintura de John William Waterhouse


Notícias do Front (de Alma Welt)

As notícias do front carteado
Chegam por Matilde até mim
Quando estou vagando pelo prado
Ou devaneando no jardim.

Rodo ganhou!Está a caminho!
Vem vindo no seu bólido vermelho,
E eu, entre a vergonha e o carinho
Preciso correr até o espelho.

E me vejo perdida em outra vida,
Alienada, meus sonhos pelo chão,
A esperar que uma cartada me decida...

O que quero? Que tenho eu com a sorte
Nas cartas vitoriosas de um irmão,
Se a minha é sempre a tal, da Morte?

06/01/2007

O Cristal do Tempo (de Alma Welt)


Pintura de Salvador Dalí
O Cristal do Tempo (de Alma Welt)

As aparências enganam, já sou velha,
Milenar por trás da pele lisa;
No cristal do Tempo é que se espelha
Aquela que foi sempre a Poetisa.

Então o meu espelho é o contrário
Daqueles comuns que só devolvem
Aquilo que o Desejo, nunca vário,
Faz ver àqueles que o comovem.

Como são generosos tais espelhos!
Que eterna juventude reproduzem!
Que olhos claros, que lábios tão vermelhos!

E eu que só nos versos me revejo
Sou feita de três Almas que se unem:
O velho, a menina, o realejo...

(sem data)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Honoris Causa (de Alma Welt)



Honoris Causa (de Alma Welt)

Sempre disponível para o amor...
Que digo? Tornei-me amor eu mesma!
Se duvidam, reparem meu labor
Singelo, de sonetos, mas em resma.

Que por doar-me em catadupas
De versos e frações de eternidade,
Justifico minha vida tão sem culpas,
Eis a minha responsabilidade:

A mim cabe estar entre os Poetas
E traduzir minha vida em pensamentos
Pra que outros reavaliem suas metas.

E se um só entre os corações leitores
Com minha ajuda decifar seus batimentos,
Serei Honoris Causa entre doutores...

(sem data)

O Tributo (de Alma Welt)


A Queda dos Anjos Rebeldes- de Pieter Brueghel, o Velho


O Tributo (de Alma Welt)

Manhãs gloriosas na coxilha
Que fazem ver que sempre fui feliz,
E nada pode apagar a minha trilha
Em direção à meta que me fiz

Que foi somente manter esta guria
Em sua eterna juventude
Irradiando em sonetos a poesia
De tudo o que sei e o que pude

Pra pagar o tributo que se deve
Ao direito de viver em plenitude
Tornando aquela carga bem mais leve:

O lastro da culposa humanidade
Que remonta àquele anjo do Talmude
Que por orgulho enfrentou a Deidade...

(sem data)

Esporas (de Alma Welt)


Esporas (de Alma Welt)

Vinha o gaúcho montado com esporas
E estacou o pingo ante a varanda
E pediu "trabalho só por horas"
Pois que "assim a sorte não desanda".

Então apontei-lhe os esporões
De galo orgulhoso e irreverente
E exigi que arrancasse esses latões
Pois aqui o cavalo é também gente.

Ele, que o bigode só, se abaixa,
Colocou a mão naquela prata
Do cabo que emergia de sua faixa.

Mas diante do meu olhar seguro,
Ao curvar-se enfim ele desata
As estrelas, que jogou pr'atrás do muro...

(sem data)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A Provinciana (de Alma Welt)



A Provinciana (de Alma Welt)

Olhando a coxilha da sacada
Dei-me conta de que sou provinciana
E vivo uma vidinha retirada,
Muito, muito aquém da Taprobana. *

E me deu uma vontade novamente
De sair por esse mundo à queima-roupa
E tomar o rumo do Ocidente,
Lá onde o sol dorme de touca,

E ver a Terra lá de cima do jirau
De uma montanha da grande cordilheira
Ou somente do Cerro do Jarau *

Que é bem mais perto desta estância,
E também me faz voltar à brincadeira
De viajar o mundo em minha infância...

(13/07/1999)

Nota
*Taprobana - nome antigo dado pelos gregos e romanos à ilha de Ceilão, atual Sri Lanka.
Paráfrase do último verso da primeira estância dos Lusíadas de Camões:
"Passaram muito além da Taprobana."

*Cerro do Jarau - Conjunto de montes de 200m de altura no município de Quaraí no Pampa rio grandense, quase na fronteira com o Uruguai, que deram origem à lenda gaúcha da Salamanca do Jarau (e da Teiniaguá), celebrizada na versão de Simões Lopes Netto, e que é uma das lendas mais famosas do Rio Grande do Sul.

Sobre o que falta falar (de Alma Welt)




Sobre o que falta falar (de Alma Welt)

O quê mais há, de fato, pra dizer
Quando já se fez soneto sobre tudo
E o que resta não parece merecer
Ou é algo para que se esqueça mudo?

Na realidade tudo vale a pena,
Não há o que não valha sobre a terra
A graça de um verso, de um poema
Se o olhar for agudo ou como serra.

Conheço um conto de um francês
À cerca de uma pobre empregada *
A quem nunca na vida ocorreu nada

Mas que tinha amor a um papagaio,
E eis o conto melhor que já se fez.
Quanto a mim, falta falar do mês de Maio...

(sem data)

Nota
*Conheço um conto de um francês
- Alma se refere a Gustave Flaubert e sua obra-prima "Un Âme Simple" (Uma Alma Simples), tanto do ponto de vista literário quanto humano um dos melhores contos de todos os Tempos.

Os três canais ( de Alma Welt)


Imagem: Fernando Lima

Os três canais (de Alma Welt)

Três canais de sintonia com o mundo
E então poder cantá-lo ou descrevê-lo
No seu significado mais profundo:
A Ciência, a Poesia e o Desvelo.

A Ciência reivindica a primazia
E é sempre o debruçar-se sobre o outro.
Reparem, dá-se o mesmo com a Poesia,
Não há como fugir a esse encontro.

Quanto ao desvelo, este é a essência
E está contido em tudo o mais
Que busque a almejada transcendência.

Por desvelo devo então dizer Amor,
Que não é senão poesia dos normais
E a ciência de superar a dor...

(sem data)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Desdobramento (de Alma Welt)


Sabiá laranjeira

Desdobramento (de Alma Welt)

Não pensem que não vi dificuldade
Em conciliar a guria muito bela
Com a Poeta do Pampa e da cidade
Que a si mesma canta e se revela.

Eis então o que é desdobramento
Que afinal quererão chamar de esquizo
Tanto mais que produz este tormento
De ser eu meu rato, o gato e o guizo.

Pois eu mesma a mim me comovi
Sempre abrindo o bico pra trinar-me
Como fazem o sabiá e o bem-te-vi,

Que sendo poeta e fazendeira
Ou talvez por ter de milho a cabeleira
Não posso escrever mais sem debulhar-me...

(sem data)

A Máscara da Dama (de Alma Welt)




A Máscara da Dama (de Alma Welt)

Quando se vive curto e tão a fundo,
Se chega fatalmente a um impasse:
Não é mais possível estar no mundo
Sem ver a nossa morte face a face,

E a encontramos nas esquinas,
A vemos nos momentos delicados
E até naqueles mais traquinas
Quando ousados subimos num tablado

E fazemos o nosso show de humor
Que a nós mesmos nos espanta
Pois se apresenta negro e quase horror.

Então tudo que fomos se desvela,
Cai a máscara da Dama e desencanta
E um tardio novo mundo se revela...

(sem data)

As Flores da Mente ( de Alma Welt)


As Flores da Mente ( de Alma Welt)

Caminhemos, meu amor, pelo jardim
A colher flores, como os guris que fomos
E queríamos a vida sempre assim,
Antes de ver a árvore dos pomos

Naqueles minutos que antecedem
O momento fatal de todo o drama
Em que o lance final com que nos medem
Não havia ocorrido em sua trama.

Inocência, candura com desejo,
Eram os ingredientes da emoção
E nada superava um tal ensejo

Pois ao evocá-lo novamente
Percebo que é outra a nossa mão
E estamos a colher flores da mente...


(sem data)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Mulher de Outrora (de Alma Welt)



Mulher de Outrora (de Alma Welt)

Ocorreu-me que me aprazeria ser
Algo que já caiu no olvido,
Uma simples mulher cujo prazer
É a felicidade do marido

E dos filhos, sobretudo e primeiro,
Que deles fosse a realização
O meu único moto prazenteiro
E viver fosse essa interação,

Embora, creio eu, só pensável
Quando há ingenuidade e imanência,
Candura e sempre amor, o inefável...

Que bela devia ser a vida
Com esse dom de transferência
Quando era verdadeira e escolhida!

(sem data)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Eu e minhas estrelas ( de Alma Welt)



Eu e minhas estrelas (de Alma Welt)

Meus dias foram ricos, não me queixo.
Minha passagem neste mundo, embora breve
Foi sulcada pelo lastro que ora deixo;
Quanto às velas, direi: o vento as leve...

Os versos prescreveram a minha sina
E contaram minha verdadeira saga
Vivida em sintonia muito fina
Com a alma e a sua estrela maga.

Alguns dirão que insisto na poesia
Ao dar este franco depoimento
Mas falando em estrelas e magia...

Ora... não direi ouvir estrelas *
Pois há muito deixei tal argumento!
Eu mesma é que tratei de entretê-las...

Nota
* Ora... não direi ouvir estrelas! -Paráfrase do primeiro verso do famosíssimo soneto de Olavo Bilac: "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/ Perdeste o senso..."

08/01/2007

Sonetos na Rede (de Alma Welt)


"Que rei seria nesta terra o grão caolho!" (Alma Welt)

Sonetos na Rede (de Alma Welt)

Ao mundo venho dando os meus recados
Na forma de sonetos, oferendas
Generosas pois na rede já postados
De imediato, sem rasuras nem emendas,

E sinto irradiar-me pela mente
Dos que comigo compartilham a experiência
E aqueles que apreciam simplesmente
As rimas, a música e a cadência...

E ponho-me a pensar no Vate luso:
Que rei seria nesta terra o grão caolho!
Quanto mais navegaria, tão difuso!

E o Dante, Shakespeare, Petrarca!
Teria eu que ter barba e a pôr de molho
Ou então afundar a minha Arca! *

Nota
*... afundar a minha Arca!- Alma faz, com modéstia, trocadilho ou alusão à sua já famosa "Arca da Alma", onde foi encontrado o seu imenso espólio literário em grande parte inédito, de poemas, contos, crônicas, romances, hai-kais, lendas, cartas e sobretudo o espantoso conjunto de mais de 2.000 maravilhosos sonetos.

Pampa e Circunstância ( de Alma Welt)



Pampa e circunstância (de Alma Welt)

Derradeiras manhãs de esperança
Raiando sobre os campos ondulados
Que vão até onde a vista alcança
Nosso último encontro combinado

Na fronteira entre o céu e o prado
Que é onde os sonhos se reúnem
E trocam notícias de seu gado
E as sonoras bravatas que os unem!

Sempre os tangi até o limite
Que é esse portal ou limiar
Em que até o delírio se admite...

E onde a Alma é aceita em sua ânsia
Cujo estro encontra o seu lugar
Sem medos no seu pampa e circunstância... *

08/05/2005


Nota
* Pampa e Circunstância- trocadilho com "Pompa e Circunstância", a famosa abertura musical do compositor inglês Edward Elgar (2 Junho 1857 – 23 Fevereiro 1934)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Mais do Amor ( de Alma Welt)

A coisa mais bela desta vida,
Além de flores, aves, natureza,
O pôr-do-sol, a prece após a lida,
É a candura do amor e sua certeza

De ser, de estar e de se dar
Como se o outro sempre merecesse.
Que digo? Isso nem chega a colocar
Como se Amor, de si se esquecesse.

Então temos no que crer, acreditar.
Por quê precisaremos de outro deus?
Amor é soberano e um avatar

E nele então podemos confiar
Que não seja raivoso como Zeus,
E seus raios são só de irradiar...

(sem data)

Arroz de Festa ( de Alma Welt)


Arroz de Festa (de Alma Welt)

Meus amigos, perdoem meus desmandos,
Que afinal só atingem mesmo a mim...
Mas se não aceito outros comandos
É porque prezo a liberdade como um fim

Em si mesmo, sem regras definidas.
E se não faço o mal, devo ao caráter,
Ou melhor dizendo, às coisas lidas
Que o livro foi pra mim célula mater...

Por isso e por amar tanto os espaços,
A moral pra mim é como um pum,
Perfumes são afetos e seus laços.

Mas o amor, o amor, ah! eu me rendo.
Não será ele jamais lugar-comum
Por mais que deste arroz vamos comendo.

17/08/2001

Celebração ( de Alma Welt)


Celebração (de Alma Welt)

Celebremos a Vida, meus amigos,
E as grandes coisas que fizemos!
Os erros esqueçamos como antigos,
Teremos tempo para novos se quisermos...

Coroemo-nos de flores e brindemos
Como nossos ancestrais da antigüidade
Que viviam entre deuses e alguns demos
Como nós ainda o fazemos, na verdade.

Como é belo estar entre vocês!
Me encho de ternura e de entusiasmo
Por estar viva e em relativa lucidez.

E se ergo minha taça borbulhante
Esta sou eu a celebrar perante o pasmo
De mim mesma, perplexa e radiante!

(sem data)

Lobo no Sótão (de Alma Welt)


Lobo no Sótão (de Alma Welt)

Quando estava eu nos dezesseste
Meu pai recebeu um velho amigo
Que ele não via desde o tempo do topete,
Que conhecera este mundo e o antigo

E era um poço de saber e de mistérios
Que lançava no ar e no jantar
Como meio de a todos fascinar,
Que logo percebi os seus critérios...

Pois olhava demais para esta prenda
Que era só uma ovelhinha desgarrada
Em pleno centro do cercado da fazenda.

Então o lobo revelou-se num momento,
E agarrando-me no sótão do sobrado
Lançou seu grande e último argumento...

(sem data)

A Grande Chave (de Alma Welt)



A Grande Chave (de Alma Welt)

Bem cedo descobri a grande chave
Da Poesia ou de tudo o que se faz,
Que é voar sem perguntar, como uma ave,
Ou então ser só perguntas, e sem mais

Pois as respostas não são o que importa
Quando se ama o Mistério como eu
Que pisei o limiar da Grande Porta
Mesmo sem passar do Gineceu *

Onde fico a fiar e a desfiar *
Esta minha grande saga do Ideal
De tanto a vida e o mundo imaginar.

E não será o mundo um pensamento?
Haverá mesmo um plano do real?
Toda pergunta é a chave de um tormento...

(sem data)

Nota
* Gineceu era a parte da casa (ou palácio) reservada às mulheres na Grécia antiga e também clássica. Ali ficam principalmente fiando ou cuidando dos filhos pequenos.

*... a fiar e a desfiar - alusão ao estratagema de Penélope e sua teia em que ilustrava em tapeçaria no tear, a saga de seu marido Odisseu, que ela esperava desfiando à noite para ganhar tempo diante da pressão dos pretententes que acreditavam o rei morto na guerra de Tróia (vide a Odisséia, de Homero)

A Mulher-Bomba (de Alma Welt)



A Mulher-Bomba (de Alma Welt)

Gostaria mesmo é de explodir-me
Como a própria mulher-bomba de mim,
E espalhar-me por aí pra mais sentir-me
Como parte desse mundo, então, assim...

Perder-me de amor e entusiasmos
Por tudo o que é belo à minha volta
E mais além, por entre pasmos
Daqueles que me sabem sem revolta

E compreenderão que é puro amor
Esta minha vontade de explosão,
Embora muito louca em seu candor.

Pois por trás dessa ânsia de espalhar-me
Está a minha sede e a minha paixão
Pela vida como afã de procurar-me...

(sem data)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Minha Lenda (de Alma Welt)

O horizonte longínquo da varanda
Estendeu o meu olhar além de mim.
O meu pobre umbigo não comanda
O que digo e escreverei até o fim

Que não hão de ser folhas ao vento
Pois o que conto é de todos que me lêem
E então se reconhecem a contento
Ou que se refletem no que vêem.

Estaria a perder tempo ou fazer hora
Se estivesse a falar da mera prenda
Que sou ou que fui até agora...

Tudo tem dois níveis, dupla face,
E se em versos uma delas já é lenda,
Eu mesma temo o triste desenlace...

09/01/2007

Meu Nicho (de Alma Welt)

Saber o nicho exato meu no mundo
Foi por certo menos dom que privilégio
Malgrado este ar nórdico oriundo
E este decantado porte régio

Que me fez destoar das outras prendas
Nestes prados que assim só eu nomeio,
A coxilha da qual contam as lendas
Do meu Negrinho em eterno pastoreio,

Do Cerro do Jarau, da Salamanca,
Da Teiniaguá, tão misteriosa,
Que não viu o expandir da minha anca

E se reclamo minha voz neste universo
Tão mais antigo e de saga gloriosa,
Que não destoe meu timbre, tão diverso...

(sem data)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Amor (de Alma Welt

Não ousarei dizer o que é o amor,
Como o fizeram em vão poetas vários,
Sendo que um deles, com louvor,
Definiu-o melhor pelos contrários.

Mas sei que o amor não é usura
Nem cobiça, desejo ou mesmo ciúmes.
Certamente não é simples loucura
E muito menos vive de queixumes.

Não vive da lembrança ou frustração,
Não nos causa pena o desastrado,
E nem imortaliza um coração...

Mas amor sustenta os moribundos
Até a tal chegada do esperado,
E assim vence a morte por segundos...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Santa (de Alma Welt)

Sei que escandalizo algum cristão
Que me olha como a última perdida,
Malgrado não ser minha intenção
Ofender o pudor e a medida

Com que o outro vê seu próprio mundo,
Que é como lhe cabe ou lhe parece.
Conquanto me pareça pouco fundo,
Quem sou eu pra lhe ensinar a sua prece?

Mas não me venha ajuntar a sua lenha
Pra queimar esta herege e atrevida.
Advirto que sou santa! Não me venha!

Pois se não é santidade tanta fé
Na Poesia e na Beleza desta vida,
Não saberei jamais o que isto é...

18/05/2005

A Vida no Soneto (de Alma Welt )

Vivo a minha vida duplamente
Em ação e seu reflexo no verso,
Que este é do âmbito da mente,
Que é como uma efígie e seu reverso.

Como a dupla face da medalha,
Ação e pensamento se conjugam
Para criar a imagem que me calha
E pela qual porfim me julgam.

E se quando me revejo ou me releio,
Percebo a minha mente mais ativa
E mais clara no poema como veio,

Sei que isso não é mentir ou falsear:
O belo da verdade não se esquiva
E o soneto é minha maneira de contar...

(sem data)

Eternidade (de Alma Welt )

Uma imensa escada para o alto
É talvez com que a Alma conte,
E os milhares de sonetos o asfalto
De uma estrada até o horizonte.

Eu preciso crer na transcendência
Do fazer, do ser, do escrever,
Pra não mergulhar na impaciência
De esperar os sinais de merecer

A imortalidade de algum modo...
Embora não saiba o que isto seja,
Jamais queria eu morrer de todo.

Pra uns o eterno é mais que emblema:
É o prazer fugaz de uma cerveja,
Para outros o deleite de um poema...

(sem data)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Chave (de Alma Welt )

Tudo revelar é meu segredo,
Por paradoxo que isto seja.
Quanto mais conscia do seu medo
Mais livre o coração viceja.

Ando sempre próxima da morte,
Com ela mantenho estreitos laços;
Brincar com o azar é minha sorte,
Meu abismo é dança de dois passos.

Tornei-me poeta de mim mesma
Por construir-me no meu verso
E ser de meu castelo a abantesma.

E se minha carne é duvidosa
Meu espírito abarca o universo
Com esta Alma frágil e poderosa...

(sem data)

A Fuga com os Ciganos ( de Alma Welt )

Quando estava eu nos dezesseis,
A sério cogitei ir com os ciganos
Pelo mundo em carroções, de três em três,
Mas sempre com a Rafisa e seus hermanos.

E cheguei a fugir com a confidente
Que cativou-me o coração audaz,
Mas alguns quilômetros à frente
Fui alcançada por Rodo e o capataz

Que era o meu Galdério transtornado
Que queria duelar com os dois romas
À faca, mano a mano, em pleno prado.

De rabo baixo voltei pra minha gente
Com alguns soluços e hematomas
De arrancarem-me dos braços da Vidente...

(sem data)

Anita dorme ao lado ( de Alma Welt)

Nunca mais ver o Pampa e esta casa
É algo para mim inconcebível.
Sua imensa história que extravaza
Contém a minha agora, indivizível.

Misturei-me com outros fantasmas
E entre as eras não ponho limites.
Anita dorme ao lado e sem as asmas
Que me causava e estamos quites:

Deixou-me dormir com o italiano
Cuja grande barba me lembrava
Meu pintor e mestre paulistano

Que deixei para voltar para o meu Pampa
Pois sentia que ali eu destoava,
Pandora que a si mesma se destampa...

(sem data)

A Princesa das Czardas ( de Alma Welt )

Pouco vi o mar na minha vida
E nele só entrei quando nublado.
A brancura que ostento decidida,
Nem escolha é... é mesmo fado.

Por isso estas noturnas cavalgadas
Que a meu próprio cavalo ainda revolta
Pois as sombras o assustam nas caladas,
O medo mesmo que vejo à minha volta

Pois há muito este povo já temia
Que uma prenda não ostente sardas
Se sua pele com a lua se associa.

E vejo que me vendo o gaúcho pira;
Há quem me ache a "princesa das czardas",
Eufemismo mesmo, pra Vampira...

(sem data)

Sublevando (de Alma Welt)

As coisas mais sagradas para mim
São amor e arte... e amizade,
Que esta é arte e amor, porfim,
Que tudo se resume a esta verdade

Como receita de viver, e viver bem...
Mas por quê estou pontificando
Se muito pouco sei do que convém,
E já tenho o povo me apontando?

A "louca do soneto", a branca Alma
Que o gaúcho oscila entre extremos
De temer, amar e dar a palma...

Um ou outro já ataca em reprimendas,
Destilando não amargos mas venenos,
Minha poesia a sublevar as suas prendas...

(sem data)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A Caixa no Jardim (de Alma Welt)



A Caixa no Jardim (de Alma Welt)

Aqui estarei fiel até o final,
Quando o tempo desta casa se esgotar
E o casarão ruir, o que é fatal,
Que toda obra humana há de acabar.

Da poetisa um soneto sobrará,
Que o enterrei numa caixa no jardim,
Que certamente alguém descobrirá
E lendo sonhará pensando em mim...

“Isso são mais fantasias!”-há quem diga.
“Depois o que te importa o que ocorrer,
Não poderás mais ver, ó minha amiga!”

Mas o que imagino é o que importa,
Pois penso agora o futuro do meu ser,
Que pensar é já o Tempo além da porta...

(sem data)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Visita da Dama (de Alma Welt)




A Visita da Dama (de Alma Welt)

Não morrerei de amor como pensava
Que seria o meu fim quando guria,
Mas certamente baterei naquela aldrava
Mais cedo, que é o que a castelã queria

E disse quando ao meu encontro veio
Quando eu ia a vagar colhendo flores...
E recordo que não tinha um porte feio
Mas sim de dama digna de amores

Que por aqui passava como aragem,
Honrada me deixando, e receosa
De incomodar tão ilustre personagem.

Embora não marcando hora nem dia,
Agradeci-lhe a visita tão honrosa
Que deixou claro o quanto me queria...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Varanda, un souvenir d’enfance (de Alma Welt)


Varanda, un souvenir d’enfance (de Alma Welt)

Não há mais varandas hoje em dia,
Pelo menos aquela em que medita
E que com o poente se inebria
A mulher que aparece em minha fita

Que é a imagem quase extinta
De uma memória antiga, de criança
Que persiste no esmaecer da tinta
Do álbum renitente da lembrança...

Sim, havia uma em minha infância
Que punha ao longo de sua coxa
Um bebê, produzindo estranha ânsia

Em mim que ali fitava o belo quadro
Sustando o meu respiro, quase roxa,
Para ser o puro amor ali deitado...

17/08/2005

O Rei dos Descalabros (de Alma Welt)


four-de-as

O Rei dos Descalabros (de Alma Welt)

Acendam luzes, velas, candelabros,
Quero a casa em festa nesta noite!
Alguns o chamam “rei dos descalabros”,
Mas peço, não me peçam que o acoite.

Jogou a nossa estância... mas ganhou!
Até este casarão trocou em fichas.
Com sua própria irmã ele dobrou
E uma fortuna fez, de velhas rixas...

Para saudar o aventureiro, acenderei!
Vou esperá-lo na varanda com champanhe,
Não o censurarei... Deus me acompanhe!

Para não ser comedida com o sortudo,
Ao abraçá-lo forte, esquecerei
Ter jogado minha carne, alma, e tudo...

(sem data)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A Caravela (de alma Welt)



A Caravela (de Alma Welt)

Quero uma grande e doce caravela
Para ir com ela a um novo mundo,
Ou pra me carregar daqui com ela
Como se salva alguém dum poço fundo

Que é esta vertigem de abandono,
E este vagar a esmo na coxilha
A sonhar com mundos sem um dono
E uma vida de constante maravilha

Onde não mais seja eu este fantasma
Imerso em nostalgia de outras eras,
A fazer de meu respiro a minha asma...

Sem avistar nas nuvens vãs quimeras,
Mas os sinais que a vida traz nos ares
Pr'um navegar de mim em novos mares...

19/12/2006

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ao largo (de Alma Welt)




Ao largo (de Alma Welt)

Cai o véu de estrelas sobre o amor,
E me pega só... que ele partiu
E quase vejo um traço de vapor
Ao largo, na coxilha, qual navio

Que se afasta no rumo do horizonte,
Inexorável partida dolorosa,
Enquanto eu começo o meu desmonte
Do cenário que montei em verso e prosa

Para a grande chegada da goleta
Em seu próprio porto ou estaleiro
Eu com a minha banda, e na trombeta.

Tudo em vão, um amor assim não pára!
Durou a noite... e um dia, coisa rara,
O repouso em mim, do marinheiro...

(sem data)

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Alma Libertina (de Alma Welt)


A Juventude de Baco- Adolphe-William Bouguereau

Alma Libertina (de Alma Welt)

Vejo claro que o desejo comandou
Desde muito cedo a minha vida,
Que assim o meu bom pai propiciou
Uma vez que dele fui a escolhida

Para ser o fruto de experimentos
De criar uma obra de arte viva
A partir de moldes e elementos
Forjados numa mente criativa

Mas calcados num molde imaginário
De uma Grécia do herói e da heroína
Certamente derivados só de mitos...

E o resultado é esta Alma libertina
Que perdeu o rumo e o horário,
E a ouvir de minha mãe ainda os gritos...

(sem data)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Vinde versos meus..., ou Sherazade (de Alma Welt)



Odalisca

Vinde versos meus
ou Sherazade (de Alma Welt)


Vinde versos meus, eu vos vindico,
Reuni-vos em torno de minha’alma!
Sonhai meus sonhos só, eu vos suplico,
Redesenhai as linhas desta palma!

Se deverei partir assim tão cedo,
Quero passar em revista meus amados.
Ou terá sido tudo engano ledo,
Uma vida perdida em seus achados?

Acreditei em creditar-me um universo
De pensamentos e fantasmas ideais
Criados pela pura ação do verso...

E eis-me aqui mais só e mais extrema,
Sherazade que fiz de mim meu tema,
Refém de mim perdida em que me achais...

10/01/2007

Entre as flores (de Alma Welt)



Entre as flores (de Alma Welt)

Entre as flores do meu jardim materno
Brinquei, cresci e ainda me vejo.
Sem elas na alma faz-se inverno
Ou tendo a ver a vida sem desejo...

O que se torna um limbo, quase morte,
Como envelhecimento prematuro
Ou como as névoas muito ao norte
De mim mesma, do meu ínclito futuro.

E ao me ver brincar entre suas flores,
Na Açoriana a dureza se abrandava,
Esquecia por momentos seus rancores,

Ao menos de parir-me e já perder-me
Para o mundo maior em que eu estava
Pelas mãos de meu pai ao recolher-me...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Amores mortos (de Alma Welt)



Quadro de Mark Chagall

Amores mortos (de Alma Welt)

De noite perambulo o casarão
Na calada dos murmúrios e segredos
Enquanto os amores mortos vão
Tentando refazer os meus enredos...

E bem depois das doze badaladas
Neste decrépito relógio do salão
Começam as intrigas renovadas,
As lágrimas, suspiros, rebelião...

Todos eles, na verdade, foram meus.
Reconheço esses hóspedes inquietos
Que tomam por descaso o meu adeus,

E gritam, cerram punhos e ameaçam:
“Tu nos fazia crer-nos prediletos!
Tua ternura e beleza nos desgraçam!”

(sem data)

Pandora (de Alma Welt)


Pandora - de John William Waterhouse

Pandora (de Alma Welt)

Amar e padecer no paraíso, *
Como dizia outrora o bom poeta.
Para nós, quase todos, é preciso
Desde o sibarita até o asceta.

O tal Vale de Lágrimas é aqui:
Ao homem não é dado ser feliz.
Mas seja neste Pampa ou no Haiti,
Temos névoa a um palmo do nariz.

Bah! Ser boba alegre por amar,
Se ainda no melhor dos mundos canto
Enquanto a casa está a desabar...

Quisera eu, sonhadora do agora
Que sonho o mundo e seu espanto,
A fascinante caixa de Pandora...


Nota
*Amar e padecer no paraíso- paráfrase do último verso do famoso soneto parnasiano de Coelho Neto "Ser Mãe": " Ser mãe é padecer num paraíso! "

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Minha realidade (de Alma Welt)


Penelope - Adolphe-William Bouguerreau


Minha realidade (de Alma Welt)

Minha realidade são meus sonhos.
Dizem que a tal não nos pertence
E que aqueles que a criam são bisonhos
Ou então alienados ou nonsense.

Mas direito a minha teia já reclamo
De meu mundo poético e sublime
Com todas as belezas que eu amo
E limitadas tão só pelo que rime,

Que é uma mania que ainda porto:
Rimar e obedecer boa cadência,
Que arritmia apenas não suporto.

E se assim tornei-me meu modelo
E Mito, no limite da demência,
Minha razão é amor, ternura e zelo...

(sem data

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A Louca do Soneto (de Alma Welt)




A Louca do Soneto (de Alma Welt)

Assombrada pelos versos já me vejo
Despertando bem no meio da calada,
Não somente por anseio ou por desejo
Mas para contar sílabas, inspirada...

A “Louca do Soneto” já me chamam,
Mas a isso não pretendo renunciar.
Os versos despertados em mim clamam,
E são a minha razão de viva estar.

“Como?” - dirão alguns curiosos-
“A vida tem o seu próprio compasso
E os versos são momentos ociosos.”

Mas poetisa ou só mulher no mundo,
Tenho que repintar-me a cada passo
Nesta espécie de espelho mais profundo...

24/05/2002

domingo, 30 de janeiro de 2011

Quem me ler (de Alma Welt


Flor do Cardo

Quem me ler (de Alma Welt

Quem me ler me buscará no abismo
E me trará à luz, e eu agradeço
A quem me divisar neste grafismo
Que é a própria teia em que me teço;

Aqueles que me lerem, eu já morta,
Estarão descendo, embora tardos,
E me trazendo do fundo da retorta
Onde se destila a flor dos cardos.

Toda a minha vida e meus amores,
Minhas saudades e vagas nostalgias,
Meus imensos prazeres, minhas dores...

E como a minha Vinha neste pampa
O meu lagar que agora é só a campa
Ainda vaza de meus contos e poesias...

(sem data)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

As Velas da Matilde (de Alma Welt)



As Velas da Matilde (de Alma Welt)

Desce a cortina lenta sobre mim.
A noite, a noite dos amantes,
Dos sonhos fugazes, inconstantes,
Eu sinto, agora desce para o fim.

Quanto cantei, dancei, versifiquei
Milhares de rimas sobre resmas,
Recriando as imagens que amei
Reconstruindo gratas abantesmas.

Ai! Quisera ficar mais um instante
Se me fosse retornada a alegria
Ou somente a irmã Melancolia...

Todavia ainda guardo um sonho infante:
Da Matilde minhas estrelas são as velas,
E eu feliz a dormir no meio delas...

16/01/2007