domingo, 27 de dezembro de 2009

Os viajantes do Nada (de Alma Welt)

O que poucos viajantes nos contaram
Da Morte não merece neles crer,
E foram muito raros os que voltaram:
Orfeu, Hércules, Dante, e o armênio Er.*

E talvez uns poucos mais discretos
Que preferiram na volta se calar
Pois os lances e ritos mais secretos
Não quiseram certamente alardear.

Cristo foi um deles: por seguro
Não deixou que o tocasse a Madalena*
Alegando ainda não estar puro...

Só sei que o mal tocado em forma plena
Só nos aumenta o medo desse escuro
E ao Nada novamente nos condena.

(sem data)


Notas
Alma, poetisa em tempo integral, vivia em permanente sintonia com o Mito. Entretanto, posso estar enganada, enxergo uma certa ironia na maneira com que a Poetisa aborda o tema da Morte neste soneto...

* O armênio Er - este é o personagem do famoso mito de Er, o panfílio (armênio), das últimas dez páginas da República, de Platão, que trata longamente do obscuro e fascinante mistério do "Fuso de Ananke". Er foi um soldado que tendo sido morto em batalha, seu cadáver não se corrompeu, e já posto sobre a pira voltou a si, e na morte tendo sido poupado de beber da água do rio Letes (rio do esquecimento) pôde voltar do mundo dos mortos e contar com detalhes o que viu nessa estranha viagem.

* não... o tocasse a Madalena - episódio do Evangelho de São João conhecido iconograficamente como o "Nolli me tangere". Esta passagem presente também em São Lucas, incorre em controversas interpretações teológicas, porquanto Jesus permitiu dez dias depois que o incrédulo São Tomé tocasse as suas chagas.

Os leitores que estiverem só agora entrando em contato com a obra de Alma Welt, devem estranhar o referencial predominantemente pagão do embasamento cultural da Musa. Isso é devido ao fato de que a Alma foi criada por nosso pai, o pianista e erudito Werner Friedrich Welt, o "Vati" (papai, em alemão) dentro de um paganismo tardio e experimental, sem sequer ter sido batisada, e preservada da influência católica da "Mutti", nossa mãe, que morreu quando a Alma tinha 16 anos, Ana Morgado Welt, "a Açoriana" (como a Alma a chamava com um distanciamento mítico um tanto negativo, por falta de identificação ou afinidades).
(Lucia Welt)

Um comentário:

Joaquim Sustelo disse...

À ALMA WELT (III)


(Comentário ao seu "Os viajantes do Nada")


Dou-te razão amiga, a morte é triste
Neles melhor não crer, como referes;
Daí que eu ame a vida e meus quereres
Serão de estar aqui, ante o que existe


À morte lançaria um pé em riste
Se eu dotado fosse em tais poderes;
Diria que inda tenho uns afazeres
Para que me largasse... num despiste...


Momento de morrer deve ser duro!
E se ele "aumenta o medo desse escuro
E ao Nada novamente nos condena"


Eu digo-te daqui entristecido:
Seria bem melhor teres vivido
Do que essa tua opção, que foi de pena.


Beijo
Joaquim Sustelo