E.mail de Claudio Bento para Lucia

Pois bem minha querida Lucita, serei o raio da liberdade em tua vida, pode se abrir como aquela estranha plantinha que habitava minha infância no vale encantado, a " fecha-a-porta maria-que o boi evém ", ao dizer esta senha a plantinha se abria toda como uma aberta flor ao sol do sertão. Serei teu poeta, teu amante, teu escravo na doce delícia de sorver o teu perfume, teu lago secreto, riacho de cascata plena. Sorverei e penetrarei tua doce carne, suave corpo de alabastro sobre a grama dos pampas, sobre o chão de deserto do vale encantado.

Esqueci de dizer-lhe. Dia de dezembro estarei novamente no vale encantado para a inauguração da Biblioteca Cláudio Bento, na escola estadual Henrique Heitmann em Jequitinhonha. No ano passado desenvolvi um ciclo de oficinas na escola, sou uma espécie de padrinho da escola, os meninos me adoram e pedem até autógrafos, a biblioteca foi denominada Cláudio Bento e a inauguração será em grande estilo. À noite haverá uma cervejada para coroar a inauguração que terá direito à placa e tudo mais. Estou feliz por mais este reconhecimento, a poesia já me deu muita coisa e sou grato por tudo.

Que delícia, amoras silvestres nos campos do pampa, a amora não é muito comum por essas bandas de cá, mas na infância morei em uma casa que havia um pé de amora e nunca mais vi um pé de amora nos quintais de Jequitinhonha.

Minha amiga que mora no norte já deu o sinal, a oficina em Macapá durante a feira de livros está confirmadíssima, só falta que ela envie o pta para acertar tudo, o Sesc paga bem e eu creio que hoje o Sesc é o grande incentivador da cultura brasileira, até mais que o próprio ministério, é sério, existem espaços verdadeiramente imbuídos de desenvolver a cultura em variados sescs espalhados pelo Brasil. O Sesc Arsenal de Cuiabá no Mato Grosso é lindo, um espaço lindíssimo, ex-arsenal da guerra do Paraguai o sesc conta com um belo teatro, bibliotecas, cinema, salas para oficinas e uma chopperia incrível com música ao vivo. Vou conhecer o Sesc Macapá só agora e creio que a estrutura é muito boa. Darei notícias sobre.

No mais um grande beijo
do
Claudio Bento




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Date: Tue, 27 Nov 2007 10:36:17 -0200

RESPOSTA DA LUCIA:


Bento querido
Que orgulho tenho de ti! Existe até uma biblioteca com o teu nome! É o máximo! És o maior o intérprete do Vale, isso eu achei desde o princípio, pela autenticidade da tua abordagem, assim que li pela primeira vez um poema teu, lá no Leia Livro.
Ah! E essa plantinha com nome adorável " fecha-a-porta-maria-que o boi évem", por si só um poema....
Olha, querido, vou publicar esta tua carta no meu blog imediatamente, só omitindo o final (risos).
Ah! quanto às amoras, aqui as há no nosso bosque. E colhê-las é simbolo de sexo e entrega feminina no meio do bosque, isto é, na linguagem vulgar, de "sacanagem" (risos). Alma as colhia muito com Rodo na infância (risos). É lá que estou planejando colhê-las. Na nossa infância (a Alma tem um soneto sobre isso) a Mutti e a Matilde reiteravam o mito de que o bosque era perigosíssimo e ali os piás e guris sumiam, que havia um lobo e até outros mistérios insondáveis que os faziam desaparecer para nunca mais. E por isso, meu Bento, até hoje temos um certo "medinho" quando o adentramos, com o seu silêncio cheio de ruídos.
Alma, já moça, há poucos anos foi internada depois que, tendo sumido, atrasada para o almoço foi procurada e encontrada vagando fora de si, com o vestido todo rasgado, com arranhões no seios e nas coxas, sugerindo para todos nós, estarrecidos, que pudesse ter sido violada naquele bosque. Agitada demais, Rodo, Matilde e Galdério levaram-na de carro para uma clínica em Alegrete, onde ela acabou conhecendo a doutora Jensen. Mas antes, ali, como ela se debatia demais e gritava, aplicaram-lhe um "sossega leão", e com ela apagada um médico reservadamente examinou sua partes íntimas e concluiu que ela fora estuprada. Mas o médico era muito suspeito e não passava credibilidade. Creio firmemente que ele é que fez isso com ela desmaiada, pois a beleza da Alma era demais tentadora. Jamais soubemos a verdade. Encontrei depois de sua morte, numa das suas cartas à Andrea uma confissão de que ela mesma rasgou seu vestido e arranhou-se num acesso de desvairio erótico que a tomou, sozinha naquele bosque. Mas, na verdade, aquilo também não me soou conclusivo... Tudo nela era mistério.
Bem, meu Bento, cá estou eu de novo a contar-te coisas escabrosas e dolorosas. Me perdoa.
Olha, querido, adoro tuas lindas cartas alto-astral, e queria ser digna delas. Pena é que este pampa tem um lado sombrio que teima em insinuar-se.

Fica com um beijo meu, meu poeta
Lu