terça-feira, 17 de junho de 2008

Romance da Doralice (cordel de Guilherme de Faria)


Capa do folheto da edição em castelhano do cordel Romance da Doralice, que foi traduzido para o espanhol pelo próprio autor.



Trancrevo aqui um dos cordéis do meu amigo Guilherme de Faria, artista célebre, verdadeira lenda viva, que foi quem descobriu minha irmã Alma Welt, em São Paulo, em 2001, quando ela era ainda totalmente desconhecida e inédita. Ele, que muito a amou, vem se dedicando desveladamente à obra da Alma desde então, ilustrando, prefaciando e publicando seus textos, principalmente seus poemas em forma de folhetos com os lindos desenhos coloridos dele, e acondionados em graciosas caixinhas de madeira (kits) pelas suas artesanais "Edições do Pavão Misterioso", que se podem encontrar em São Paulo, por exemplo, na Livraria da Vila (da Alameda Lorena).
O blog dele de cordelista é:
www.guilhermedefariacordel.blogspot.com
e o de pintor:
www.pinturadeguilhermedefaria.blogspot.com


Romance da Doralice

(Cordel de autoria de Guilherme de Faria)


1
Vou contar uma estorinha
Que aqui o povo evita
De Doralice, mocinha
Mais jeitosa que bonita.

2
Tinha um tal jeito de ser
Que sem ser provocativa
Seduzia sem querer
Como uma locomotiva.

3
Quer dizer: era acintosa
Na sua mulherice
Que fascinava sem prosa
Desafiando a Burrice.

4
No entanto não se podia
Dizer que era faceira
Tentadora ou vadia
Ou ainda, interesseira.

5
O seu corpo é que falava
Malgrado sua vontade
E isso é coisa que se agrava
E leva ao desastre mais tarde.

6
A moça vivia com a tia
Laudência, mulher sensata,
Desde que a sorte ingrata
Levara sua mãe Maria.

7
Acontece que chegou
Vindo de outra cidade
Certo filho da Vaidade
Cujo pai enviuvou.

8
Era o primo Josafá
Moço que não sendo guei
Vaidoso como um paxá
Dizia entrando: - Cheguei!

9
Fazendo com os polegares
Estalar os suspensórios
Dando a medida e os ares
De tantos casos inglórios.

10
Cabelo muito esticado
Com aquela gomalina
Um bigodinho safado
De pontas viradas pra cima.

11
Sussurrou coisas no ouvido
De Doralice corada
Que ficando envergonhada
Fugiu procurando abrigo

12
Dali pra diante perdeu
O sossego e a candura
E seu corpo se excedeu
Na beleza e na postura.

13
Por isso não se podia
Culpar o nosso idiota
Que a moça é que seduzia
Primeiro, é o que se nota.

14
Resumindo: eles fugiram
No fordeco do janota
Rumo ao Recife, sumiram
Não cogitando da volta.

15
Doralice evaneceu
Sua pista se perdeu.
Não mandou nenhuma carta
Por um ano dessa data.

16
Quando chegou um cartão
Dizia: “Querida Tia
Saudade. Peço perdão,
Mas ficar eu não podia."

17
"Sigo a sina do meu corpo:
Estou feliz num bordel
Neste Recife do porto
Nesta estória de cordel."

18
"Como nunca acreditei
Nisso de “vida real”
Canto, danço e melhorei,
Não me encontro nada mal."

9
"Cumpro o destino da pele
Não brigo mais c’o Desejo
Quando quero, logo beijo
Mesmo que o destino sele."

20
"Algumas moças também
Como eu têm vocação
Outras choram, sem noção
Da beleza que isso tem."

21
"Não percebem que o segredo
É o amor da profissão,
Que quem ama não tem medo
Não precisa confissão."

22
"Não tem do que se pejar
Pois já está na salvação
A vida é o fumo no ar
E a beleza da canção."

23
"À noite somos estrelas,
De dia, que preguiçosas!
No Porto somos famosas,
As horas, porquê temê-las?"

24
"Há poesia na pobreza
Por quê aqui não teria?
Este luxo, esta riqueza
Sem a gente não havia."

25
"Toques do corpo e da alma
É nossa especialidade.
Quando um carente se acalma
Sinto que vivo a Verdade."

26
"As choronas me desculpem
Mas perdem a oportunidade
De formar mentalidade
Que a alma e o corpo esculpem"

27
"Pois quando eles se unem,
Corpo e alma, nesta lida,
Não há mais “mulher da vida”:
Há beleza, como nuvem."

28
"Eu estou persuadida
Que a minha felicidade
Vem de dentro, na verdade.
Sim, eu sou mulher da Vida!

29
"Por isso, minha titia
Não lamente, eu não lamento
E sou grata em pensamento
Pela sua simpatia"

30
"Pois seu silêncio profundo
Ajudou-me a compreender
Essa beleza do Mundo
Que é amar tudo, e Viver!”

31
"Se antes fui caradura
Digo agora sem pieguice
Que não perdi a candura
Muito menos a meiguice"

"Grata por sua brandura
Com amor, sem mais,
DORALICE "

FIM

25/07/2001

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