(o poeta Claudio Bento, grande vate do Vale do Jequitinhonha, que me fez a honra de me eleger sua musa, acaba de me enviar por e.mail este magnífico poema. Mas desta vez não havia a habitual dedicatória "para Lucia Welt". Será que ele se esqueceu... ou fui destronada?)
Descamba o rio em seu delírio
Depois de inventar nascentes e minadouros
Demarcar seu curso
Lamber praias e barrancas
Adentrar
Suas ilhas
Suas ilhotas rodeadas de silêncio e pedras
Descamba
Em seu delírio em sua desvairada
Sonata de correntes correntezas corredeiras
Sua canção de peixes
Suas lavadeiras suas canoas suas lendas
Sua Iara de cabelos pretos de índia Pataxó
Seu caboclo d`àgua sentado na pedra do segredo
Seu delírio sua febre seu desvario
Descamba o rio
Em vilas cidades em terras jequitinhonhas
Descendo
Da pedra redonda do Sêrro do Frio
Para banhar o vale encantado da infância perdida
Em terras de Araçuaí
Em terras Almenara
Em veredas de Itinga Salto Grande Pedra Verde Guarani
Para despencar em terras baixas
Onde é chamado rio de areia
Reino dos pitus e dos caranguejos
O rio agora é rio de areia
E persegue o mar
Sonha o sal do oceano
Para desmanchar-se em lume
Agora o rio entra
Sem licença sem peia
Ancho de àgua e barro
Enchente
É o teu nome
Que vem derrubando casas
Devorando terras
Dourando a sede
Despistando a fome
Osso e pedra na fornalha dos dias
Escrita feita de espinho
De àgua de represa
Peixe Seco incrustado em outro Peixe Seco
Como bandeiras pendurada em varais
O rio agora é fúria
O rio agora é raiva
O rio agora é mar
E banha jacintos de chuva
Itiras de retirantes do norte
Diamantinas de luares sobre o espelho d`àgua do rio
O rio agora é mar
E acaba de inavadir Jequitinhonha
A rua de cima está submersa
A rua de Baixo está afogada
Muita gente perdendo casas
Perdendo as vidas
Perdendo a alma
Só a lama negra e as cobras
Perduram neste sertão de sol ardente
Um rio é feito de outros rios
Para entregar-se a um só mar
O mar de Netuno e janaína
O mar de Colombo
Descamba o rio em seu desvario
Cláudio Bento
Há 6 anos
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