Bento querido
Tu me entendes tão bem! Tu és bom, homem!! E tens o condão (risos, palavra arcaica) de me deixar confiante e otimista, apesar dos meus desastres (risos).
Guri! Que coisas interessantes tens visto, com todos esses artistas famosos por aí e tu podendo ter contato direto com eles! O Ariano Suassuna é o máximo! Uma vez assisti uma aula-espetáculo dele em Porto Alegre, que além de brilhante e encantadora, a gente morria de rir. O homem é um humorista fabuloso! Olha só.. acabo de aprender uma palavra nova contigo: "griot", que deu "griô", nunca tinha ouvido tal palavra francesa... Vocês mineiros são mesmo diferentes (risos) mas olha, não estou me fazendo de matuta não! É que os mineiros são mesmo tão singulares, ou talvez mais brasileiros que nós, como disse o Caetano (de outro jeito) que tu citaste outro dia. Acho que nós gaúchos temos muita influência dos "castelhanos"...
Essa inclusão da cultura negra no currículo escolar já não era sem tempo. Metade do Brasil é negro e deviamos aprender mais na escola até sobre os orixás e nossas origens africanas. Sabe, Bento, um dia nosso Vati, que era junguiano, comentou que na "mitanálise junguiana" o analista tinha que levar em conta o "inconsciente coletivo" próprio da cultura do seu paciente, para poder analisá-lo à luz dos seus mitos próprios de origem (de seus antepassados). Assim, se o paciente é negro (coisa rara em consultório de analista ) não é válido interpretar seus sonhos através de arquétipos e deuses da mitologia grega que são válidos apenas para os latinos ou mesmo brasileiros descendentes de português, espanhol e italiano. Dos franceses é duvidoso pois são descendentes da forte cultura celta através dos gauleses. Se o paciente é descendente de alemães, seus sonhos devem ser interpretados à luz dos mitos do Walhalla, isto é, Odin, Thor, Freia, as Walkírias etc. Mas no meu caso, que sou descendente também de açorianos por parte de mãe, como ficará ? Terei dois mundos de deuses, o dos gregos e o dos germânicos no meu "inconsciente" profundo? E tu, meu Bento, terás os orixás convivendo com os deuses da cultura indigena, Tupã, Manitô, Iara, curupira, etc, no teu inconsciente? (pois que és descendente de índios por uma avó, pois não?). Aparecerão misturados nos teus sonhos? Está aí uma pergunta que não tive tempo de fazer ao meu Vati, pois eu era muito jovem ou meio boba naquela época. Ah! Aquele meu marido Geraldo me castrava até intelectualmente e eu era só a sua escrava sexual...
A Alma fazia confluir as vertentes grega e germânica na suas invocações mágicas e as misturava com o que ela chamava de "numes do Pampa", como o O Negrinho do Pastoreio, de quem dizia ser devota. Ela cultivava o mito da Salamanca do Jarau, e tinha Martim Fierro como um ícone (que vem da literatura, nem é nosso, mas do lado de lá da fronteira). Mas a Alma cultuava mesmo era a poesia disso tudo, do mundo, da natureza e das pessoas. Isso a fazia mais bela ainda, meu Bento, e agora ela própria está se transformando num nume, a julgar pelo que tenho visto aqui na região. Os peões e suas filhas já estão fazendo umas bonecas louras ou ruivas, de argila pintada e colocando em seus pequenos altares domésticos. Fiquei tremendamente emocionada quando percebi isso numa visita a uma família de peão, e numa outra vi uma figurinha nua e caiada montada num cavalinho pampa e com o cabelo louro arruivado de cabelo de espiga de milho. Comecei a tremer e quase desmaiei, tiveram que me trazer um copo dágua. Para eles é natural, ela era uma pequena deusa branca e loura, desde criança sagrada até a ninfa de beleza deslumbrante que cavalgava nua a galope pelas pradarias, vagava no bosque como uma fada, ou mais nua ainda se banhava no poço da cascata como uma Yara branca. Ai! Bento...
Ah! Esse Festiriodoce em Governados Valadares, de que vais participar, deve ser lindo! Imagino-te charmoso e sedutor poeta negro cantando o teu "vale encantado" sob as palmas da platéia, que interromperás provavelmente para como um libelo lançares imponente catilinária de protexto contra o descaso das autoridades à pobreza e carência do teu Vale do Jequitinhonha, que apesar delas e deles devolve riqueza em forma de cultura, beleza, canto e danças. E poetas como tu mesmo...
Sim, quando voltares do vale me escreva, me contes tuas andanças e feitos, que o poeta continua o trovador andarilho das estradas e das trilhas dos antigos menestréis...
Um beijo desta tua fraca musa, que nem te merece, meu poeta
tua Lu
Há 6 anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário