sábado, 28 de novembro de 2009

Estrela peregrina (de Alma Welt)

Estrela peregrina do meu pampa,
De quem viria a ser dileta filha!
És a cigana que por aqui acampa
E eu te evoquei em minha vigília,

Rafisa, musa destas pradarias,
Que me deste a honra da amizade,
E que ainda bem mais dividirias:
Teu leito e um dom de divindade,

O poder de divinar o meu futuro
Que me fez enxergar além do muro
Com sensível clareza e acuidade.

E este louco sentimento de urgência
Contra o fundo cenário de saudade
Que dá a esta poesia permanência...

(sem data)

Nota
Acabo de encontrar este soneto inédito na Arca da Alma, embora ele trate de tema bastante recorrente na obra da nossa Poetisa: a sua relação com a cigana Rafisa. Como exemplo republico aqui outros dedicados à cigana que foi uma das mais amadas namoradas de minha irmã, a quem ensinou, infelizmente, a arte divinatória, que, suspeito, precipitou o seu destino:


Um soneto para a minha cigana (de Alma Welt)

Minha amada cigana está vindo!
A Rafisa... um peão veio avisar.
E logo penso que quando ela chegar
Meu mundo voltará a ficar lindo...

Eu sei que as ciganas querem paga
Para ler o futuro sem agir,
Não lhes cabe escolher ou decidir,
Mas a minha cigana é mesmo maga

Pois seu dom é trazer encantamento
Num carroção puxado por jumento
Que abre um arco-íris na poeira

E ela chega com a silhueta esguia
De seu corpo moreno que se esgueira
Para trocar comigo sua poesia...

21/12/2006


O que me disse a cigana (de Alma Welt)

Um dia voltando do meu bosque
Onde fora colher belas amoras
Eu vi uma espécie de quiosque
E ciganos a dançar as suas horas.

Pensei:"vou ofertar-lhes o que aqui tenho,
E juntar-me a eles por minutos..."
Ah! por quê é que não contenho
Esta sede de espalhar todos os frutos?

Pois logo uma delas veio a mim
E afoita agarrando a minha mão
Me levou para atrás de um carroção

E com estranho olhar me disse assim:
"A *Moira vê, te cobiça, e eu cuidaria,
Porquanto jorras tanta e tal poesia!"

08/01/2007

Notas da editora:

* Moira - A Morte, uma das várias naturezas
de Ananque (a Necessidade) entre
os antigos órficos gregos. É um princípio teogônico
(arqué) ao mesmo tempo que uma deusa. Outras naturezas da
Necessidade eram, por exemplo, Dyké(a Justiça),
Niké( a Vitória), Fado (o Destino), Belona (a Guerra),
a Discórdia, etc.

Este soneto me parece mais um momento de
de premonição da Alma, quanto à proximidade
de sua morte, onze dias depois.

O SONHO DA ALMA COM O PAVÃO MISTERIOSO

O sonho da Alma- óleo s/ tela, 100x100cm, de Guilherme de Faria

Notícias do Pavão Misterioso (de Alma Welt)

Rafisa esteve aqui e revelou-me
Que Josué espera a minha volta
E não consegue esconder a sua revolta
Com a partida que afinal facilitou-me

Entregando-me na casa do italiano
Em pleno Carnaval-frevo de Olinda
Depois de voarmos meio ano
Por cima daquela terra linda.

"O Pavão Misterioso nos espera,
(eu li isto em minha própria palma)
Mas não no carroção, minha tapera."

"Quero voar contigo, minha Alma,
No *tapete voador do Josué,
Do Recife à muito vera Santa Fé!"

12/01/2007

Notas
* Rafisa- Este é o nome (anagrama de Safira) da cigana recorrente nos textos da Alma. Ela existe mesmo, e era uma amiga muito fiel da Alma, que dedicou a ela um capítulo do seu romance "O Retorno dos Menestréis", e mais de uma crônica, como a "Safira eu e os ciganos" e "A peregrina" ( vide no Leia livro), onde Alma conta um terrível drama vivido por sua amiga cigana. Outra curiosidade sobre ela, foi que a partir de uma estória vivida que ela contou para a Alma e esta repassou para o seu amigo cordelista Guilherme de Faria, este compôs sua obra prima: o cordel "Romance da Vidência" (vide Leia Livro).

* Josué- Jovem sertanejo, irmão da Anunciada, personagens reais descritos primeiramente no conto da Alma entitulado "Na Trilha dos Menestréis, e depois na sua seqüência, o romance "O Retorno dos Menestréis". Alma teve um tórrido romance com esse jovem sertanejo, quando de sua viagem a Olinda e ao sertão pernambucano e paraibano, que ela transformou em conto publicado(Contos da Alma de Alma Welt, pela Editora Palavras & Gestos de São Paulo( vide capa neste blog)
e o romance inédito do qual ela publicou trechos no Recanto das Letras(apagado) e no Leia Livro.

* na casa do Italiano- Esse italiano do qual o primeiro nome é Giuseppe, é real, vive ainda em Olinda e foi "marchand" da Alma enquanto pintora.

* Pavão Misterioso - Alma persegue e incorpora esse mito
nordestino que é o fundamento central de seu conto e romance referidos acima.

* "tapete voador"- aqui, metáfora do Pavão Misterioso alusiva
às "mil e uma noites" simbolicamente vividas pela Alma no sertão nordestino

* "à muito vera Santa Fé"- Alma, através da Rafisa se refere
à cidade imaginária, mítica, da família Terra, depois Terra-Cambará, do monumental romance "O Tempo e o Vento" de Érico Veríssimo, que ela alude com a expressão "muito vera" (muito verdadeira, veríssima).

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