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domingo, 4 de maio de 2008
Carta (e.mail) de Lucia de 4 de Maio de 2007 ao poeta Claudio Bento
Abstração- óleo s/ tela, de 100x110cm. Última tela pintada por Alma dois dias antes de sua morte.
(Rememorando, publico aqui a primeira carta que escrevi ao grande poeta mineiro do Vale do Jequitinhonha, Cláudio Bento, em resposta à sua primeira mensagem à Alma por pensá-la ainda viva, e que deu início a nossa intensa amizade e correspondência que dura até hoje.
É necessário esclarecer, por outro lado, que alguns meses depois dessa carta, começaram investigações da parte de um delegado, aqui na nossa estância, que apontavam para uma outra interpretação sobre a a morte de minha irmã, com indícios de um possível assassinato, o que certamente não nos consola...
(Lucia Welt)
Caro poeta Bento
Tragicamente minha irmã suicidou-se no dia 20/01 deste ano, afogando-se no laguinho da cascata da nossa estância aqui no Rio Grande (Alma nadava muito bem). Era um sábado ela saiu de manhãzinha e não voltou para o almoço. Eu estava em Alegrete
onde moro com meus quatro filhos. Nosso irmão Rôdo, Matilde nossa cozinheira e governanta, antiga babá de Alma, seu irmão Galdério, nosso charreteiro, jardineiro e "faz-tudo", e a doutora Jensen, psiquiatra e amiga da Alma, que estava aqui pela segunda vez, de férias, preocupados saíram para procurá-la nos lugares que ela mais amava, aqui na estância. Afinal encontraram seu vestido branco sobre uma pedra, nas margens do "poço" (como ela dizia) da cascata. Como Alma tinha o hábito desde guria de banhar-se nua ali, pensaram estar ela por perto ou mergulhada. Chamara-na diversas vezes, e nada. Então Rôdo subiu numa pedra mais alta e avistou na água cristalina, flutuando como um espectro, há dois palmos da superfície, ancorada por uma grande pedra amarrada ao seu pescoço, o corpo alvo de minha irmã e seus longos cabelos louros esparzidos. Rôdo gritou o seu nome, mergulhou vestido e tirando a corda de seu pescoço voltou com ela, nadando e gritando, gritando ( tudo isso me foi contado depois pela Matilde em grande desconsolo). Rôdo a colocou sobre uma pedra e tentou fazer respiração boca a boca, mas era tarde. Diante da realidade ele deu um imenso grito e desmaiou, quando voltou a si estava como louco e está desde então internado ( eu o visito três vezes por semana, ele chora, delira, monologa poeticamente seu amor pela Alma, e eu saio arrasada) na mesma clínica onde Alma esteve duas vezes, a última há um ano, quando conheceu a doutora Jensen que se afeiçoou a ela e a admirava como todos nós. A doutora chorou e até hoje chora, como senão fosse uma médica. Ah! Bento, minha irmã era mais bela e poética pessoa que conheci nesta vida. Era mesmo uma princesa. O Vati (papai) a criou desde guriazinha como uma obra de arte viva (como ele dizia), como uma pequena pagã, sob a égide dos deuses e deusas da Mitologia grega, da germânica (do Walhalla) e dos numes do pampa (Alma dizia que era devota do Negrinho do Pastoreio... Ai! ), e longe da influência católica de nossa mãe decendente de açorianos. Matilde que é também muito católica acha que isso tudo é que foi a desgraça da sua guria, enchendo a sua cabeça de sonhos, devaneios e delírios. Mas eu sei que minha irmã era visceralmente poeta,
e ela nos encantava desde pequena com seu talento e sua beleza. Ela era bela por dentro e por fora de uma maneira extrema. Ela nos comovia, e olhá-la e ouvi-la freqüentemente me deixava com os olhos marejados. Rôdo a adorava.
Ele a amava de uma maneira exaltada, e agora temo por ele. Alma era uma romântica e me fazia pensar numa guria do século retrasado, apesar de ser moderna em muitas coisas, principalmente em sua liberdade sexual, que ela celebrou nos seus textos eróticos que a principio me chocavam. Agora eu os admiro pela sua beleza e... pureza.
Mas recentemente eu venho encontrando verdadeiras chaves nos seus textos, que se não justificam, pelo menos explicam o seu gesto extremo.
Alma anunciou ou anteviu a sua morte. Percebe-se isso na seqüência dos seus magníficos Sonetos Pampianos que ela compôs num surto espantoso de inspiração, 150 num único mês que culminou com a sua morte. Eu os estou republicando no Leia Livro, de três em três, já que eles foram apagados do Recanto das Letras onde elas os publicou todos à medida que os ia compondo, com grande repercussão entre os poetas. Mas, pasme: Alma foi expulsa daquele site e seu cadastro cancelado, por intriga de "poetas" invejosos, que lançaram o boato de que Alma Welt seria o pseudônimo de alguém, e que por isso a notícia (chocante para muitos) de sua morte seria falsa.
Veja que absurdo, Bento. Houve um enorme escândalo, com gente mesquinha e falsa vociferando contra a "impostora". Houve até um debate no Fórum daquele site, do tipo: "Alma Welt existe? Alma Welt não existe?" A verdade é que minha irmã estava ( e está famosa pelo menos na Internet)e isso é o começo de sua glória póstuma, que ela bem merece.
Outra coisa: descobri recentemente um trecho de um romance inédito da Alma, "A Ara dos Pampas" em que ela revela algo que me estarreceu: a violência por ela sofrida em São Paulo, por ocasião da desmontagem de seu ateliê, para vir com Aline definitivamente de volta para a estância. Acabo de publicar esse trecho chocante, denominado "O estupro", porque encontrei uma anotação a lápis nessa página do original revelando a sua intençãode publicá-lo no site Recanto das Letras, sem tê-lo feito, entretanto. Alma era uma escritora confessional e achava que não deveria esconder nada de seus leitores. Agora eu a compreendo e admiro também por essa coragem. Mas por outro lado esse fato escabroso e traumatizante pode estar também na base do desesperado gesto de minha pobre irmã. Teria ela sido marcada em sua alma ou em seu coração por essa violência revoltante? Teria a sua violação produzido uma seqüela de depressão persistente? Não sei... Quanto a mim, não sou poeta, e nem sequer escritora, mas como tenho consciência da grandeza do talento da minha amada e sofrida irmã, estou disposta a dedicar-me cada vez mais à sua glória póstuma, na medida dos meus parcos e limitados recursos, correspondendo-me com os poetas amigos fiéis da Alma, que não a renegaram como alguns, e com os novos admiradores, poetas como tu. E tratando de compilar, digitar manuscritos da Alma e publicá-los no Leia Livro, enquanto não consigo uma editora que se interesse por suas "obras completas". Hei de conseguir um dia...
Bah! Guri! Estendi-me muito. Será que estou querendo ser um dia uma escritora também? Nunca chegaria aos pés da nossa Alminha, poeta predestinada, que certamente foi perdoada pelo bom Deus, que deve amar os Artistas...
Por ora, e sempre à sua disposição para esclarecimentos
um abraço
da Lucia
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CARTA DO POETA CLAUDIO BENTO À LUCIA:
Lúcia, fico consternado com o que aconteceu com tão grande poeta, poetas não morrem, estão sempre eternizados nos seus versos, nas suas palavras, sua alma e seu espírito estarão sempre junto a nós. E você também é poeta ? O que aconteceu com a Alma ?
Espero tornar-se seu amigo para que possamos externar tudo de bom que o coração mandar. Um grande abraço.
Claudio Bento
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