quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O real e a Poesia (De Alma Welt)

Pra penetrarmos o real e sua essência,
Ao soneto coube-nos fazer emendas *
Conquanto o perigo da demência
Nos ronde desde o tempo das calendas.

Os gregos, que vão sempre além do muro,*
Vadearam uma vez o mesmo rio,*
Mas agarrados aos deuses, por seguro,
Aos quais nem eu mesma renuncio.

E jogados na caverna escura e oca, *
De sombras, sem a luz no céu da boca,*
De Diógenes não temos nem o lume *

Que nos faria enxergar à luz do dia,
Pra não sermos o mero galo implume,*
Mas os filhos de Orfeu e da Poesia...

(sem data)

Notas
*Ao soneto coube-nos fazer emendas - alusão ào ditado "Pior a emenda que o soneto". Parece-me que Alma quis dizer que, na intenção de aprofundarmos as intuições dos gregos sobre a Natureza e sua Física, complicamos e nos afastamos mais do sentido do real que eles, povo de gênio, tinham...

*Os gregos, que vão sempre além do muro- alusão velada aos muros penetrados de Tróia, como metáfora da curiosidade científica e filosófica dos gregos.

*Vadearam uma vez o mesmo rio- alusão ao famoso fragmento de Heráclito de Éfeso: "Não podemos atravessar duas vezes o mesmo rio. Nós mesmos somos e não somos..."

*E jogados na caverna escura e oca - alusão ao famoso "Mito da Caverna", de Platão, mito esse tão caro aos psicanalistas do século XX.

*De sombras, sem a luz no céu da boca- alusão a detalhes do Mito, em que os seres colocados na caverna vêm somente sombras distorcidas, projetadas de fora, pela luz que vem da boca da caverna, e cuja (falsa) realidade eles temem...

*De Diógenes não temos nem o lume- alusão à famosa anedota sobre o filósofo Diógenes, de Atenas, que uma vez saiu com uma lanterna acesa, pelas ruas, em pleno dia, e quando interpelado respondeu: "Estou procurando um Homem... "

*Pra não sermos o mero galo implume- alusão à outra famosa anedota de Diógenes, que tendo ouvido Sócrates dar a definição do homem (por derrisão) como "um bípede implume", depenou um galo e saiu com ele erguido na mão, pelas ruas de Atenas, gritando: "Eis o Homem de Sócrates!"
(Lucia Welt)

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El real y la Poesia (de Alma Welt)
(versión al castellano de Lucia Welt)


Para entrar en el real y su esencia,
Al soneto hay que hacerse enmiendas
Con peligro de tomarnos la demencia,
Desde el tiempo, aquél, de las leyendas.

Los griegos que van allá del muro,
Vadearan una vez el mismo río,
Pero agarrados a los dioses por seguro,
A los cuales ni yo misma renuncio.

Estamos en la cueva oscura y hueca,
De su boca la luz viniendo seca,
No del Diógenes la lumbre de Atenas

Que nos haría ver mismo en el día,
Que no somos aquél gallo sin penas,
Pero los hijos de Orfeo y la Poesía.

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